Quando o abrigo vira manchete: o que está acontecendo em Maringá?
Nos últimos dias, o Abrigo Municipal Infantil de Maringá foi palco de uma sucessão de episódios alarmantes: quatro fugas de crianças em menos de três dias, depredação do prédio, agressões a servidores e até menores vistos com faca dentro da unidade. A situação, que já vinha sendo monitorada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) e pelo Conselho Tutelar desde 2022, explodiu em visibilidade após a transferência emergencial de cerca de 20 crianças para outros espaços, diante do risco iminente à integridade física dos menores e dos funcionários.
Superlotação, estrutura precária e déficit de servidores: um retrato do descaso
O abrigo, projetado para receber até 10 crianças (12 em situações excepcionais), vinha abrigando mais que o dobro desse número, chegando a 26 menores sob cuidado de apenas quatro servidores por turno. O imóvel, alugado e sem as adaptações necessárias, apresentava falhas graves de segurança, como acesso fácil ao telhado e janelas sem proteção adequada. Não por acaso, as fugas se deram por esses pontos vulneráveis, mesmo após alertas reiterados do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e do Judiciário.
A superlotação e o déficit de funcionários não são problemas novos. Desde 2022, resoluções e ofícios alertavam para a urgência de contratação de mais profissionais e para a necessidade de reformas estruturais. A pandemia agravou o quadro, reduzindo o efetivo e sobrecarregando quem ficou. O resultado? Crianças em situação de vulnerabilidade extrema, vivendo em um ambiente que deveria protegê-las, mas que acabou se tornando mais um espaço de sofrimento e insegurança.
O grito de socorro das crianças e a resposta das autoridades
As fugas, os episódios de violência e as denúncias de maus-tratos não surgem do nada. Como bem pontuou uma especialista ouvida pela imprensa local, esses atos são, na verdade, um “grito de socorro” das crianças, que já chegam ao abrigo marcadas por histórias de violência, negligência e abandono. O ambiente institucional, quando precário, apenas aprofunda traumas e dificulta a reinserção familiar e comunitária, princípio basilar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O Ministério Público, diante do descumprimento de decisões judiciais anteriores, abriu novo procedimento para apurar responsabilidades e cobrar a execução de reformas, contratação de pessoal e apoio psicológico tanto para acolhidos quanto para servidores. A OAB de Maringá também designou comissão especial para vistoriar o local e elaborar relatório de recomendações. O Conselho Tutelar, por sua vez, reforçou que a crise atual é reflexo de um sistema de acolhimento institucional colapsado, alvo de denúncias e ações civis públicas há anos.
Prefeitura e Câmara reagem: promessas, transferências e busca de soluções
A Prefeitura de Maringá, pressionada pela opinião pública e por órgãos de controle, anunciou uma série de medidas emergenciais: transferência das crianças para outro imóvel, reforço no quadro de servidores com remanejamento de profissionais de outras secretarias, início de reformas internas para fechar acessos vulneráveis, e fortalecimento do programa Família Acolhedora. O prefeito Silvio Barros (PP) admitiu publicamente que o espaço atual é inadequado e prometeu buscar uma solução definitiva, com novo imóvel e melhor estrutura de atendimento.
A Câmara Municipal, por sua vez, tem sido palco de debates acalorados sobre o tema, com vereadores cobrando mais transparência, fiscalização e a apresentação de um plano municipal de acolhimento que seja, de fato, sustentável e centrado nos direitos das crianças. O tema também está na pauta do Tribunal de Contas e do Ministério Público, que monitoram o cumprimento das determinações judiciais e o uso dos recursos públicos destinados à assistência social.
O que dizem os especialistas e as experiências de outras cidades
A crise em Maringá não é caso isolado. Grandes capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre, já enfrentaram desafios semelhantes e avançaram na criação de políticas públicas mais integradas, priorizando o atendimento em pequenos grupos, a manutenção de vínculos familiares e comunitários e a profissionalização das equipes de acolhimento. Uma das lições mais valiosas dessas experiências é que o abrigo deve ser sempre a última alternativa, precedido por esforços intensivos de prevenção, fortalecimento de vínculos e apoio às famílias em situação de risco.
Especialistas defendem que a gestão do acolhimento institucional precisa ser transparente, com fiscalização rigorosa, participação ativa dos conselhos municipais e investimento constante em capacitação de servidores. Além disso, o poder público deve ampliar e qualificar o serviço de famílias acolhedoras, evitando a institucionalização prolongada e promovendo o direito à convivência familiar e comunitária, como determina o ECA.
Pontos fortes, ameaças e oportunidades: o que Maringá pode (e deve) aprender
Pontos fortes:
- Mobilização da sociedade civil, imprensa e órgãos de controle;
- Reconhecimento público do problema pelas autoridades;
- Existência de um plano emergencial para transferência das crianças e início de reformas.
Ameaças:
- Risco de reincidência dos problemas se não houver mudança estrutural;
- Possível judicialização e aplicação de multas ao município;
- Perda de confiança da população na capacidade de gestão do poder público.
Oportunidades:
- Redefinir a política municipal de acolhimento, alinhando-a às melhores práticas nacionais;
- Fortalecer a rede de proteção, ampliando o programa Família Acolhedora e investindo em prevenção;
- Promover um debate público qualificado, envolvendo Câmara, Prefeitura, conselhos e sociedade.
Hora de virar a página, com transparência e compromisso
O drama vivido por nossas crianças no abrigo municipal é, antes de tudo, um alerta para que a política local seja menos reativa e mais propositiva. É hora de medir resultados, corrigir rumos e ampliar as soluções, com foco em gestão eficiente, transparência e respeito aos direitos humanos.
Defendo que a Prefeitura de Maringá, a Câmara Municipal e o Governo do Estado do Paraná unam esforços para:
- Implantar um novo modelo de acolhimento, com base em experiências exitosas de outras cidades;
- Garantir equipe técnica suficiente, capacitada e valorizada;
- Ampliar o programa Família Acolhedora, com incentivos e acompanhamento multidisciplinar;
- Implementar um sistema de monitoramento e avaliação permanente das políticas públicas de proteção à infância;
- Fomentar o debate público, com audiências, consultas e participação ativa da sociedade civil.
A crise do abrigo infantil de Maringá é, sim, um desafio, mas também uma oportunidade de mostrar que a política pode ser instrumento de transformação real. Que possamos, juntos, construir uma cidade mais justa, acolhedora e sustentável para nossas crianças e para todos os maringaenses.
Alan Zampieri
Advogado e consultor de negócios | @alanzampieri.adv